Um projecto de documentário sobre a ilha do Pico a realizar por Marc Weymuller
Nota de intenções
Imaginai a voz desse escritor Dias de Melo, lendo alguns excertos dos seus livros, interrogando-se sobre o quotidiano, uma voz espectral, que fala nesse intervalo entre dois mundos: aqui, agora, algures, noutro tempo.
Aprendi uma coisa: apenas mostramos bem o que está em vias de desaparecer. Na Calheta de Nesquim, é toda uma maneira de estar no mundo que se vai extinguir. Por isso mesmo, ela aparece mais claramente aos nossos olhos. Aqueles que lá estão, sem fazer nada, o que esperam? Até quando estarão lá? E esse escritor, cujo nome figura já, « imortalizado », numa placa de rua, porque continua a escrever, para escapar a que fatalidade, a que medo? Surgiu a ideia de um filme. Pôr a câmara diante de uma janela no canto de uma casa ou de um café, no adro de uma igreja, no segredo de uma ruela. Esperar para ver o que se passa e como se passa. Ficar ali, onde parece que nada mais irá acontecer. E escutar a voz daquele que narra, que se interroga. Ao contar um dia de Dias de Melo na sua aldeia natal, ao ouvi-lo narrar o seu quotidiano habitual, contamos também a história colectiva de muitas outras pessoas idosas dos Açores, a do luto precoce, da solidão, da melancolia. A dos lugares abandonados pela grande história, das portadas fechadas, das casas abandonadas. « Quem vê um povo, vê o mundo todo ». Contamos também a história mais vasta de todos aqueles que assistem impotentes ao fim de uma era, que vêem o tempo fugir e tentam em vão impedi-lo. Ao filmar não faço mais do que reter o mundo que se escapa, prolongando um olhar, uma escuta, uma memória.
Nenhum comentário:
Postar um comentário