Com o Dídio ausente, as cassetes a esgotarem-se e quase tudo filmado na vila, tinha de preparar a despedida da ilha. Normalmente procuro sempre o último plano, aquele que cobrirá todos os outros do sentido final, uma conclusão da minha experiência. Num filme sem princípio nem fim é mais dificil concluir o que não se fecha. Posso sempre voltar, posso sempre continuar. Mas hoje quis ter um diálogo solitário, uma conversa a sós com a ilha. Subo acima dos campos e percorro a pé a encosta do Caldeirão. Sempre pela borda da encosta, pisando as rochas vulcânicas cobertas de verde e de musgão que se enterram até ao joelho. Estou no meio da vertigem, de um lado e doutro as quedas a pique, à esquerda a lagoa, à direita o mar. Aqui estou na amplitude total do oceano. Na adrenalina máxima. O ar rarefeito, frio quando passam as nuvens, quente quando brilha o sol. Nada de vegetação alta, só tufos verdes, amarelos e alguns rochedos. Há espaço para olhar, em volta, é o topo da experiencia atlântica, como a nunca vi, a planar. O dia vai caindo e isso é o perigo. Terei de sair daqui antes de o anoitecer. Não há iluminação e a vila fica a três horas de caminhada. Mas isso é que é forte: a queda da noite e o silêncio do escuro total. Continuo a andar, na borda, neste limite que se enterra nos meus pés. Quero chegar à curva da falésia para poder ver a Ponta do Marco. Primeiro sentimos que estamos lá pelo crescer do vento e o marulhar do mar em baixo, muito ao longe. O meu olhar cai a pique e é tudo bruto e crú. Não há maneira de filmar esta queda única sobre um mar rude de azul sem fim. Quando era criança tinha sonhos destes, que caia de bem alto e só acordava quando batia no fundo. Ao fundo da Ponta do Marco, colado à superficie, pontos brancos esvoaçam. São pássaros que gritam. Nos Açores não há nada disto, esta ausência de humano. Este isolamento fundamental.
O Festival Festa Redonda, que decorrerá nas nove ilhas dos Açores, arrancou no dia 25 de Outubro de 2007 e irá prolongar-se durante dezoito meses até Abril de 2009.
O evento, cujo nome presta homenagem ao escritor açoriano Vitorino Nemésio que escreveu “Festa Redonda, Décimas e Cantigas de Terreiro Oferecidas ao Povo da Ilha Terceira” (1950), pretende facilitar o acesso de algumas franjas da população açoriana mais votadas ao isolamento a várias formas de cultura, contribuir para o desenvolvimento do potencial turístico das ilhas do arquipélago e divulgar jovens valores em nove áreas de criação artística distintas.
As mostras de Arquitectura/Design, Cinema, Dança, Escultura, Fotografia, Literatura, Música, Pintura e Teatro vão correr os Açores durante ano e meio, numa lógica de festival itinerante. Cada Arte estará em cada ilha por um período máximo de dois meses.
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