DESTAQUE: Junta de Freguesia de Ribeira Chã adquire obras do Festa Redonda para nova sede. Ver Iniciativas
Aceitamos propostas de projectos na área da Escultura e Cinema.

O Festival Festa Redonda, que decorrerá nas nove ilhas dos Açores, arrancou no dia 25 de Outubro de 2007 e irá prolongar-se durante dezoito meses até Abril de 2009.

O evento, cujo nome presta homenagem ao escritor açoriano Vitorino Nemésio que escreveu “Festa Redonda, Décimas e Cantigas de Terreiro Oferecidas ao Povo da Ilha Terceira” (1950), pretende facilitar o acesso de algumas franjas da população açoriana mais votadas ao isolamento a várias formas de cultura, contribuir para o desenvolvimento do potencial turístico das ilhas do arquipélago e divulgar jovens valores em nove áreas de criação artística distintas.

As mostras de Arquitectura/Design, Cinema, Dança, Escultura, Fotografia, Literatura, Música, Pintura e Teatro vão correr os Açores durante ano e meio, numa lógica de festival itinerante. Cada Arte estará em cada ilha por um período máximo de dois meses.

Esta é uma iniciativa da Associação Cultural Festa Redonda, criada com um objectivo que ultrapassa a realização deste evento único: ajudar a desenvolver regiões e comunidades, através da Arte e da Cultura, levando a locais isolados artistas, programadores, agentes culturais e realizações culturais que, de outra forma, não seriam aí acessíveis.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

25 de Janeiro

Não consigo parar de filmar, daqui a três horas vou-me embora mas continuo à procura. Agora olho para trás e há imagens que gostaria de não ter feito. Não para poupar cassetes, mas por terem normalizado a realidade. A realidade em qualquer filme deve ser inventada, imaginada e, por fim, revelada. A realidade só existe se eu a filmo. Saio do Corvo com cento e dez horas de imagens no corpo. São imagens físicas porque as tomei sem limites, no perigo de as perder.
O grande desafio agora, saindo do Corvo, é não quebrar o círculo, não perder o ritmo da aventura quotidiana, porque o Tesouro, como no livro do Stevenson, não é o ouro, nem a vida, nem a morte dos outros, mas tudo o que anda à volta disto. A responsabilidade moral é a de prolongar o evento que criámos.
Aqui aprendi que um plano que é filmado hoje já não será igual ao de amanhã. As condições mudam, o que vemos desaparece. Este não é um documentário sobre o Corvo, é um filme sobre a nossa passagem pelo Corvo.

Gonçalo Tocha

24 de Janeiro

Com o Dídio ausente, as cassetes a esgotarem-se e quase tudo filmado na vila, tinha de preparar a despedida da ilha. Normalmente procuro sempre o último plano, aquele que cobrirá todos os outros do sentido final, uma conclusão da minha experiência. Num filme sem princípio nem fim é mais dificil concluir o que não se fecha. Posso sempre voltar, posso sempre continuar. Mas hoje quis ter um diálogo solitário, uma conversa a sós com a ilha. Subo acima dos campos e percorro a pé a encosta do Caldeirão. Sempre pela borda da encosta, pisando as rochas vulcânicas cobertas de verde e de musgão que se enterram até ao joelho. Estou no meio da vertigem, de um lado e doutro as quedas a pique, à esquerda a lagoa, à direita o mar. Aqui estou na amplitude total do oceano. Na adrenalina máxima. O ar rarefeito, frio quando passam as nuvens, quente quando brilha o sol. Nada de vegetação alta, só tufos verdes, amarelos e alguns rochedos. Há espaço para olhar, em volta, é o topo da experiencia atlântica, como a nunca vi, a planar. O dia vai caindo e isso é o perigo. Terei de sair daqui antes de o anoitecer. Não há iluminação e a vila fica a três horas de caminhada. Mas isso é que é forte: a queda da noite e o silêncio do escuro total. Continuo a andar, na borda, neste limite que se enterra nos meus pés. Quero chegar à curva da falésia para poder ver a Ponta do Marco. Primeiro sentimos que estamos lá pelo crescer do vento e o marulhar do mar em baixo, muito ao longe. O meu olhar cai a pique e é tudo bruto e crú. Não há maneira de filmar esta queda única sobre um mar rude de azul sem fim. Quando era criança tinha sonhos destes, que caia de bem alto e só acordava quando batia no fundo. Ao fundo da Ponta do Marco, colado à superficie, pontos brancos esvoaçam. São pássaros que gritam. Nos Açores não há nada disto, esta ausência de humano. Este isolamento fundamental.


Gonçalo Tocha

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

23 de Janeiro

De um lado para o outro, rua acima, rua abaixo com o tripé e a câmara ao ombro, na urgência da partida, entro na parte antiga da vila em cantos onde nunca tinha entrado. Aqui recolho alguns dos últimos planos, muros das casas velhas, canadas e pátios, eiras e currais. Tem alguma lógica ter deixado isto para o fim. Quando aqui chegámos maravilhámo-nos com a luz e a disposição das ruelas, a pedra antiga das casas já cheia de musgo, as janelas, as portas e as telhas da cor da fuligem. Mas sentimos uma certa resistência e pudor a este património. “Não filmem só as casas velhas, também temos casas grandes e modernas”. Como não queria ofender ninguém, lá fui filmar as novas casas, na parte nova da vila, enormes de cimento e varandas, jardim de relva cortada e ampla garagem. Filmei também as ruas abertas desta parte nova da vila, ganhas aos antigos campos de cultivo, e ainda todas as casas que se constroem, para os novos casais que se formam. É uma outra vivência da vila, é outro poder de compra, um maior poder de gasto. Antigamente eram as pessoas que construíam as suas próprias casas, agora existem trabalhadores de outros países. A arquitectura? É igual à casa do imigrante que volta. É igual a todo o lado. É óbvio que é necessário mudança, mas pergunto-me se para isso acontecer será sempre necessário apagar o que existe. Muitas das casas antigas do Corvo estão ao abandono e em ruína. Aqui reside um património muito rico em nada igual a qualquer outra das ilhas dos Açores. As casas têm semelhanças com algumas aldeias de Trás-os-Montes mas são diferentes porque são viradas para o Mar. Não é viver no arcaísmo mas sim dar valor ao que uma comunidade construiu ao longo dos séculos e tornou único. Mudança e modernismo podem passar muitas vezes por recuperar e reabilitar o que já existe.

Gonçalo Tocha

22 de Janeiro

Estão nos guias turísticos mas já quase não se descobrem nem na vila nem nos campos: as Covas de Junça são das mais radicais e extraordinárias invenções dos Corvinos. Junça era um tipo de cereal pobre usado para alimentar o gado. Uma cova sabemos o que é, mas esta era escavada em sítios estratégicos, por um homem que se enterrava até perfazer uma fundura de dois metros. A forma era de uma ânfora. A Cova de Junça não servia só para guardar o alimento do gado junto dos campos, mas também para guardar os cereais e restantes alimentos da população junto da vila. Resguarda-los do vento, da chuva e das possíveis pilhagens. Pilhagens de quem? Piratas, dizem os historiadores… Ignoradas ou desaparecidas, nas Covas de Junça está toda a história do Corvo: o isolamento, a sobrevivência, o engenho, a criatividade e as trocas com quem vem do mar. Poderemos dizer que as Covas de Junça foram, até prova do contrário, a grande invenção do Corvo para o mundo. Pelo menos não sei de nada igual em outra parte.

Gonçalo Tocha

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

São Jorge

Velas
Com a colaboração da Câmara Municipal de Velas

Pintura
De 14 de Fevereiro a 5 de Março, na Galeria Espaço +, do Auditório Municipal de Velas

Marés

Catarina Machado

Jet Monkeys - Macacos em Trânsito
Isabel Monteiro

Corpo Hibrido
Jonas Silva

Consulta
Patrícia Timóteo

Cenários Verdes
Jorge Ramos

Damned Trepitation
Miguel Meira

Fotografia
1 de Maio a 26 de Junho

Ad Naturam
Carla Mendes

12
Daniel Velez

Lost Functions
Nelson D`Aires

Perceptions of an unkown landscape (em breve)
Humberto Almendra

A Nova China
Pedro Guimarães

Empty Quarter
Gonçalo Fonseca

Alter Hábitos - Uma Geração
Daniel Pires

São Miguel
Inês D`Orey

Os Opostos
Raquel Pereira

Paisagens Insulares
Carlos Melo

Igrejas dos Açores
Carlos Melo

Shut
Elsa Aleluia

Flores

Santa Cruz das Flores
Em parceria com a Câmara Municipal de Santa Cruz das Flores

Fotografia
De 27 de Dezembro a 21 de Fevereiro

Ad Naturam

Carla Mendes

12
Daniel Velez

Lost Functions
Nelson D`Aires

Perceptions of an unkown landscape (em breve)
Humberto Almendra

A Nova China
Pedro Guimarães

Empty Quarter
Gonçalo Fonseca

Alter Hábitos - Uma Geração
Daniel Pires

São Miguel
Inês D`Orey

Os Opostos
Raquel Pereira

Paisagens Insulares
Carlos Melo

Igrejas dos Açores
Carlos Melo

Shut
Elsa Aleluia

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

21 de Janeiro

Foi uma sensação de fim quando o Dídio partiu para fora do Corvo no Dornier. Cinquenta por cento da equipa já não está cá. O dia parece de verão, o sol quente e mar brando faz fingir que estou de férias. Ainda ressacado da pesca, penso no que me falta filmar. Já não há trabalho de pesquisa, nisto o som era fundamental. Tenho pequenos detalhes na cabeça, pormenores, elementos de ligação. Penso na sexta-feira quando também eu apanhar o avião. É triste que pare de filmar. Há sempre mais qualquer coisa a acontecer, como hoje, o barco Santa Iria que chegou mais tarde, perto das cinco horas, com um carro, uma moto-quatro, um barco de pesca, porcos em caixas, alimentos, cerveja, telhas, ferros e gasolina. Ficou até de noite e a luz que há lá dentro equipara-se à lua que saiu perto da baia do Porto da Casa. Tudo iluminado. Os pescadores chegam, barco a barco. Esta ilha faz-me arder os olhos só do que vejo.

Gonçalo Tocha

20 de Janeiro

É o último dia do Dídio no Corvo. Desde que aqui chegámos, esperámos durante um mês para ir à pesca e não o conseguimos fazer. É hoje ou nunca. Já durante a noite o mar abrandara, mas esta manhã o vento não pára de mudar de direcção. A chuva vai caindo, mas fraca. Uma decisão a tomar, podemos ir à pesca mas implica faltar a toda a festa final de Santo Antão, o padroeiro dos lavradores e do gado. A caravana de carros até lá a cima ao Caldeirão, o benzer dos campos. O ciclo do gado já tinha sido fechado e continuava a faltar-nos a pesca do Cherne. O barco de madeira e uma roldana com linha de pesca e dezenas de anzóis. Dá-se à manivela e a linha desce a mais de 150 braças. O Cherne, peixe de águas profundas, é um desafio para qualquer pescador, vale dinheiro e emoção. O mar aguenta-se mas levanta-se por vezes fresco, o barco balança. A luz rompe pela chuva miúda e um arco-íris coloca-se por cima da ilha. A roldana continua a rodar, por enquanto só goraz. Nada de cherne. A luz flutua, magnífica, parece-se com o amarelo-torrado durante o embarque de gado no porto da casa. O barco do Pereira passa perto, o sol coloca-se junto da linha do mar, o dia cai e a roldana continua rodar. O Joca diz: há cherne! A água está límpida e consigo vê-lo por debaixo, boca aberta, anzol dentro. Está a meus pés, imóvel, grande e brilhante. Mesmo há cinco minutos estava a perto de 400 metros de fundo. Quando chegamos à vila e tiramos o barco da água já é noite. O sal nos olhos e o cheiro a peixe nas mãos. Durmo a noite toda profundamente.

Gonçalo Tocha

19 de Janeiro

Continuamos a mostrar imagens passadas. Permitem-nos ganhar mais confiança e disponibilidade. Nas palestras de comemoração do Santo Antão, mostramos uma rápida montagem da pesagem, descida, embarque e leilão do gado do Corvo, realizado em Agosto de 2007. A sessão é pública e conta com a presença de muitos lavradores, da veterinária e do Secretário Regional. Também isto já faz parte do filme, abrimos o livro e devolvemos a experiência a quem a fez. É importante perceber que estas imagens podem ter outro valor quando mostradas noutro contexto. Isto no fundo é trabalho de comunidade, permitir que se discuta a realidade próxima olhando para ela de fora.

Gonçalo Tocha

18 de Janeiro

Os mais importantes filmes feitos sobre o Corvo realizaram-se há pouco mais de trinta anos. Exactamente numa época de mudança. Já foram feitos depois do fim do dia do fio, do fim das ovelhas e a consequente passagem para as vacas. Foi uma revolução na ilha, maior do que a do 25 de Abril. Essas imagens falam de um tipo de sociedade que está no seu fim. O que eu vejo agora é outra ilha. Ou melhor, outro uso da ilha. Tudo mudou rapidamente, como ainda continua a mudar. Dos barcos de madeira para os barcos de fibra, das casas antigas do centro histórico, muitas em ruína, para as casas novas e modernas na parte nova da vila, das moto cultivadoras para os Jipes e os carros, dos campos cultivados para a importação, dos trabalhos na lavoura para os empregos nos serviços e na Câmara. Tudo tem de mudar e evoluir. Só o que me assusta é o desaparecer das diferenças e que possa chegar a um dia em que digamos que viver no Corvo é igual a viver em qualquer outra vila da Europa.


Gonçalo Tocha

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Graciosa

Santa Cruz da Graciosa
Em parceria com a Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa

Escultura
De 27 de Dezembro a 21 de Fevereiro

Atrapados
Marcela Navascués

Sentir o Azul
Isabel Sousa Carvalho

(O)pressão
Paulo Moura

Ela na Praia
Leonor Pêgo

Aos Avós
Leonor Pêgo

Mulher de Ferro
Leonor Pêgo

Padrões do Mar
Volker Schnuttgen


Congresso de Economia
"A Graciosa e os Desafios do Desenvolvimento no Século XXI"
De 21 a 25 de Fevereiro, no Auditório do Centro Cultural

Congresso de Educação

A nova escola: relações pais, filhos, professores e trabalhos de casa
12 de Abril

Congresso de Saúde
Maio

Congresso de Cidadania
7 de Junho

15.30 – Sessão de Abertura Presidida por Sua Excelência o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa, José Ramos Aguiar.

16.00 – (Palestra 1) Ser Português, o orgulho de um povo, por Genuíno Madruga, Presidente da Liga dos Combatentes de Ultramar.

16.30 – Debate

16.45 – (Palestra 2) Crescer Português, pelo Padre Dinis Silveira.

17.15 – (Palestra 3) Cidadania: Direito/Dever pelo Dr. João Luís Bruto da Costa Machado da Costa, Presidente da Comissão de Pais da Escola Básica e Integrada de Santa Cruz da Graciosa.

17.45 – Debate

18.00 - (Palestra 4) Cidadãos em actividade cívica, pela Prof. Teodora Borba.

18.30 – (Palestra 5) Ser Emigrante e ser Português, por Tomás Picanço, Presidente da Junta de Freguesia de Guadalupe.

18.45 – Debate.

19.00 – Sessão de Encerramento por Sua Excelência o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa, José Ramos Aguiar.



sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

17 de Janeiro

Todas as imagens criadas sobre um local, o Corvo, enquanto marcas rituais e traços de passagem devem entrar no filme que estamos a construir. Não como memória, não como artefacto mas como um presente que existe no que estamos a fazer, continuamente. O comentário do olhar no que ficou registado transforma o tempo de vida numa construção histórica constante. Se damos a ver o que filmamos, se pedimos que mostrem o que têm de imagens, é para aproximar os tempos e os espaços mentais. Por vezes, só na distância funciona. Talvez só daqui a trinta anos tudo o que estejamos a marcar em filme seja “visível”…

Gonçalo Tocha

16 de Janeiro

As crianças são de um olhar límpido e espantado, não se importam, olham pelo visor da câmara enquanto as filmo e admiram-se de ver em imagem o seu colega que está mesmo em frente. A creche do Corvo faltava-nos. Quatro bebés e doze crianças até aos cinco anos. As mães estão empregadas no sector terciário, poucas ficam com as crianças durante o dia. Mostramos-lhes imagens do Corvo em época de verão: garajaus, caranguejos, gaivotas e cagarros, ondas e rochas, vacas e cavalos, aviões, carros e motas. Verde, muito verde, plantas e peixinhos. As crianças podem ser filmadas como actores, agem e representam, perguntam, espantam-se, choram e riem. Fazem-me acreditar na imagem. Fora disto, por vezes tenho vontade de partir a câmara.
Mais em cima, nos campos sobre um nevoeiro cerrado, nascia um bezerro, de raça charolesa. Meia hora mais tarde, ele cambaleia e cai, tenta levantar-se ainda com placenta e sangue na pele. O nascimento é uma elipse. Não o vimos, surgiu do nada. O bezerro coloca-se por debaixo do corpo da mãe e tenta mamar mas a teta foge-lhe da boca. Ainda é pequeno demais. O ar escorre humidade e chuva pequena das nuvens rasteiras. Na vila um boi de 700 quilos era morto no matadouro.

Gonçalo Tocha

15 de Janeiro

Poucos serviços nos restam, poucos dias nos sobram, a aventura Corvo aproxima-se do fim e isso aborrece-me. Quero acabar com esta sensação de estar sempre a perder. O que não filmo está perdido. E não quero sair porque voltar entristece-me, leva-me ao centro de onde vim e não me atrai andar às voltas de um só ponto. Os dias passam rápido mas todos diferentes. O Corvo é o símbolo do que o Beru diz no Balaou: “As notícias são sempre iguais mas a meteorologia muda todos os dias”. Não existem nuvens semelhantes, da mesma forma e da mesma cor. O vento espalha-as. Hoje, de repente, um “olho de boi” no céu, um vortex recortado de nuvens cinzentas sobre uma auréola laranja, mais tarde violenta. Sinal de mudança de tempo. O mar eleva-se sobre a terra, pontilhado de espuma branca.

Gonçalo Tocha

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

14 de Janeiro

De manhã cedo, o meu irmão liga-me a dar-me a novidade. Às 03h34 nasceu o Artur, o meu sobrinho. Poderia ser só isto o dia, cabe tudo lá dentro, mas já hoje também conhecemos a Srª Irene, de 77anos, e o Srº Valdemar, de 80 anos, que são ajudados pelo serviço de apoio ao domicílio do Corvo. Entrar em casa de alguém que não conhecemos é uma dádiva preciosa. Não é só o tempo de vida, é a postura, o poder de visualizar um fio que nos liga a todos, do nascimento à morte. Isto é universal, isto não depende da geografia, isto não depende do isolamento. Hoje, depois de uma semana e meia de conversas, a Srª Inês acabou o gorro.

Gonçalo Tocha

13 de Janeiro

Uma das grandes libertações de estar no Corvo é não sentir as datas. Se hoje é o meu aniversário pouco interessa. Como aqueles pequenos peixes que se colam ao Mero das águas do Corvo para poderem navegar, eu prefiro cantar os parabéns ao Roque, o homem que nasceu em 1919 neste mesmo dia, sessenta anos antes de mim. Nuvens negras inundam a vila de escuro e a sensação de concha resume-se. Aqui estamos protegidos do mundo mas não dos males do mundo. Assusta-me o rumo deste modo de vida, ausente de passado e história, rasurado pelo aumento das condições de vida. Naturalmente instável e precário. Ter orgulho no Corvo é ter orgulho de viver na particularidade, na invenção de um modo de vida particular. O centro é onde estamos e não o que se compra.


Gonçalo Tocha



12 de Janeiro

O dia está demasiado mau para subir os campos: rajadas fortes empurram-nos para casa, o vento arrasta-se à superfície do mar, junto do Porto da Casa, criando lençóis de movimento, danças. Penso nas baleias de que me falavam o Sr. Costa e o Sr. Pimentel: “Eu via baleias debaixo de água!”


Gonçalo Tocha

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

11 de Janeiro

Penso que estranhamente estamos muito afastados do mar. Ainda não fomos de novo à pesca, ainda não fizemos a volta à ilha de barco. O mar existe sempre em volta, mas não o habitamos. O barco Santa Iria chegou depois de uma semana de ausência. A escassez de comunicação não pode ser só por culpa do mar. Existirão outras razões, menos naturais e mais económicas. Por cima do porto passa o avião. Entre a Aerogare e o mar está o cemitério. Ainda não o visitei. Afastava-me de propósito. O Dídio já tinha mencionado que aqui no Corvo não sentia relação nenhuma com a morte, não é um assunto de conversa. O cemitério confirma-o. Raramente visitado, são poucas as campas que têm lápide. A maior parte são terra, pura e simples. Algumas flores, outras artificiais. Ervas, lagartas e formigas, o silêncio típico e algumas cruzes erguidas a uma altura suficiente para se exporem em silhueta contra o brilho do mar. Um cemitério despido de traços e memória, parece que está por habitar. Quem morre, morreu e acabou. Como o sal que entra por aqui adentro e come a tinta das paredes e as letras das lápides.


Gonçalo Tocha


10 de Janeiro

A linguiça era um dos pratos típicos do Corvo. Carne com gordura moída dentro da tripa. Trabalho de mulheres. Quase só de mulheres também é a promessa de rezar o rosário todos os dias em honra de Nossa Senhora dos Milagres. Promessa que vem dos tempos em que Nossa Senhora, dizem, protegeu os habitantes do Corvo contra os piratas. Aqui poucos falam disso, dos piratas, como se fosse sinal de marginalidade. Mas não, será um dos grandes feitos deste povo, o ter resistido a ataques e ter feito trocas comerciais quando as necessidades assim o pediam. Se o poder central ignorou esta ilha durante séculos, os vizinhos, “amigos” e parceiros comerciais vinham do mar, dos párias sem nação. O Corvo poderia ser visto como um país à parte. Os naufrágios junto à costa, acidentais ou provocados por fogueiras em terra, sempre deram madeira reutilizada, mercadoria recuperada. O que o mar levava, o mar trazia. Milagres naturais. O rosário é agora rezado só por seis ou sete pessoas, já com idade. A gente nova não o continua. Tudo leva a crer que em breve a promessa será quebrada. O rosário do Corvo é um ritual religioso mas de carácter pagão. É uma evocação popular, um chamamento colectivo fora do âmbito da Igreja. Dura uma hora, organiza-se em círculos, tem uma voz e um coro. É um hipnotismo, é um transe xamânico do povo, em vias de extinção.


Gonçalo Tocha

9 de Janeiro

A grande desgraça ambiental do Corvo é a sua lixeira. Lixo amontoado a céu aberto, exposto às rajadas de vento frequente, voa por todo o lado, para o mar ou para os campos próximos da vila. Sei que é um cenário visto em muitos outros locais, mas aqui um lixo produzido por pouco mais de quatrocentos habitantes deveria ser ecologicamente sustentável. O lixo em grandes quantidades é um dos males das sociedades de consumo. é proporcional ao poder de compra. Se o progresso se avalia nestes termos, o Corvo já é uma sociedade de consumo plenamente desenvolvida. Longe vão os tempos em que nesta ilha não havia lixo. Ou se o havia era reutilizado. A senhora Inês conta-nos isto, enquanto continua o gorro, à nossa frente. Em duas horas fecha-o, parece lenta mas é rápida, cinco agulhas entretecem-se, cruzam-se. A técnica não tem nome. Mostra-nos uma foto antiga onde todos os velhos usavam este tipo de gorro. Não é de agora, é de algum tempo, chegou um momento no qual tinham vergonha de o usar. Ter-se-ia tornado num símbolo de pitoresco e de pobreza? “Dois dias a descansar e a fazer forma, segunda-feira volte para lhe mostrar como se acaba o gorro.” Lá fora, matam-se mais porcos. O matadouro ainda não está pronto. Na garagem, nacos grandes de carne fritam-se, arranja-se o toucinho, separa-se a carne para a linguiça de amanhã. Do porco pouco se deita fora, só a cabeça e os pés que encontrámos na lixeira, lá em cima.

Gonçalo Tocha

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

9 Ilhas, 9 Documentários

No âmbito do Festival Festa Redonda decorre o projecto “9 Ilhas, 9 Documentários”, que pretende documentar cada uma das 9 Ilhas dos Açores sob um olhar muito especial.
O arquipélago foi já objecto de inúmeros e variados documentários, realizados e produzidos por agentes nacionais e estrangeiros. O que se pretende aqui é uma abordagem nova e fresca, não sobre as paisagens e o mar açorianos, sobejamente conhecidos, mas sobre realidades culturais e sociais específicas de cada uma das ilhas.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

8 de Janeiro

Fiquei enjoado sem nada acontecer, só de imaginar uma morte próxima. Nesta manhã fria e enevoada três porcos espreitavam pelo curral, o portão de madeira meio comido, a mesa rasa de tábuas posta, as facas afiadas e os alguidares. Lembro-me das idas aos médicos, quando vejo as agulhas e cheiro o éter. É algo que vai acontecer. Mais tarde, quando os porcos chegavam, um a um, guiados pelas couves e o engodo, tudo passou, nem os guinchos, nem o furo na garganta, nem o rio vermelho de sangue, nem o esventrar me fizeram arrepiar. Olho pelo orifício da câmara e é tudo um filme na minha cabeça. Estou preocupado com a luz, o enquadramento, a posição justa perante as coisas. Para mim, o porco, neste momento, mistura-se com os homens e têm o mesmo sangue. Comemos nós e somos comidos. Os cães apanham os pedaços de gordura no chão, as gaivotas gritam e esperam pelo seu naco. Quero acompanhar este processo de uma coisa viva e inteira se transformar em pedaços mortos e arrumados. Já há matadouro no Corvo mas a matança tradicional do porco repete-se aqui como em muitas zonas de Portugal. Tenho mais respeito por isto do que qualquer matança industrial e massificada. Ainda houve restos de comunitarismo, muitos homens ajudaram, várias mulheres prepararam o sangue e as tripas para as morcelas. Acaba o dia e já não há porco, o curral vazio, as arcas e as panelas cheias, o sangue pelo esgoto. Em breve há mais.

Gonçalo Tocha

7 de Janeiro

Nunca tinha visto uma cratera desta forma, uma forma vulcânica tão perfeita em arco, um caldeirão de verde e água, antigo poço de lava e fogo, agora transformado em pasto e lagoa. Mesmo que seja o ex-libris dos turistas que vêm ao Corvo só por duas horas, quando descemos e entramos no estômago do Caldeirão já estamos noutra ilha. Afastado da vila 10 ou 12km, só aqui vem quem tem gado. Um magma de energia e força telúrica. Um dia descoberto, límpido e depois nuvens pequenas, nuvens brancas, flutuações de luz, contrastes de claro e escuro. A parede do caldeirão iluminada e o campo em baixo na sombra, em segundos mudam e trocam de posições, uma explosão de azul do céu, verde dos campos e magenta/castanho das rochas. A lagoa perde água, cada vez mais pequena, dizem que tem um furo para o mar. As nove ilhas dos Açores representadas no Caldeirão são um mito. Deste refúgio tiramos três vacas prenhas até outros campos mais perto da vila. Ao longe, as outras mugem e só aqui é possível fazer um eco tão forte e reflexivo. Nos dias anteriores à invenção da fotografia quem vinha ao Corvo jamais imaginava que existiria uma acontecimento natural desta dimensão numa ilha tão pequena…

Gonçalo Tocha

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

6 de Janeiro

Mantendo a tradição e não a obrigação, a Noite dos Reis cumpriu-se de porta em porta, pelas ruas a cantar o rancho, das 22h até de manhã. Pessoas que ainda não tinha visto, casas onde nunca tinha entrado. As mesas postas, com as melhores toalhas, doces e licores, whisky e aguardente. A mesma música tocada vezes sem conta. A meio da noite um rancho rival, auto-intitulado “Os Ranhosos”, sem instrumentos, cantando à capela. Hoje repete-se a dose pelas casas que falharam. Acordo cedo mal disposto e ainda filmo o candeeiro da rua que se apaga, o mar calmo de manhã e as couves à porta de entrada. O mar está bom, o vento sopra fraco, há sol. Decido fazer um plano que não me sai da cabeça. Aponto a máquina ao boqueirão, normalmente um poço de correntes contra as rochas. A espuma vai e vem, vai e vem aos raios de luz e das ondas que entram. Fecho o plano. Faz frio. Tomo tempo, adio a decisão, espero pela melhor luz. Olho pelo visor, calculo o sítio onde devo acertar. Conto e salto, mergulho de cabeça fundo e desapareço por dentro da espuma. O plano aguenta por mais um minuto e ainda não apareci. O mar é agora um largo clarão branco de luz. A cassete acabou.

Gonçalo Tocha

5 de Janeiro

O marido da Senhora Inês é carpinteiro e abriu-nos o seu atelier. Nos dias de hoje só faz as típicas fechaduras de madeira do Corvo, mas em miniatura para vender aos turistas. “Para que serviam as fechaduras se no Corvo não havia ladrões?”. A senhora Inês sabe que estamos ali e vem ter connosco para continuar o barrete. Já se lê: “Corvo 2008 Gonçalo”. Os dois trabalham, não faço perguntas. Bonito o sol a entrar pela janela inundando a mesa do carpinteiro. Lascas de madeira no chão, os olhos meio suados, caixas com batatas, um moedor de milho, bidões de cartão. “Sempre que filmam o Corvo vêm aqui filmar-nos.” São os últimos artesãos, deixando descendência na sua filha Rosa. Não é por serem os últimos, mas por darem espaço à concentração e à paciência, por terem mãos calejadas e olhos que já viram muito. A senhora Inês tem de ir. Pó de madeira pelo ar, parecem fagulhas com a luz da janela, ele liga o rádio, a previsão do tempo, rock n´roll e chamaritas.

Gonçalo Tocha

4 de Janeiro

Em Setembro tinha feito um acordo com a Senhora Inês. Ela bordava-me um gorro dos antigos à moda dos baleeiros com o meu nome e eu acompanhava o seu processo diário. O que é bonito e especial aqui é que há este acordo, este pacto e eu entro em sua casa como se fosse à igreja. Ela borda como se estivesse a rezar e eu contemplo e comungo. Nestas sessões há muito silêncio e poucas perguntas, à medida que o fio se vai cozendo as histórias vão-se desfiando. Às tantas diz-me ela que há alguns anos atrás (ou serão muitos?) no Corvo eram só tecedeiras. E ao dizer-me isto penso que o que eu estou a filmar não é só a sua arte mas também a sua solidão. Não são os gostos, são as necessidades que mudaram.

Gonçalo Tocha

3 de Janeiro

Subir aos campos, lá em cima fora da vila, faz bem. Adormecemos esgotados, num cansaço físico tranquilo. Mas agora é de Inverno e a chuva cai quase todos os dias, sempre aos poucos. Esta manhã todo o céu coberto de cinzento e um vento estranho, como a chuva, não constante. A previsão é má para os próximos dias, nem ao mar nem à terra do alto poderemos ir.
Marcámos encontro de manhã na Queijaria para mostrar as imagens filmadas no Verão. A diferença é que hoje já não se faz queijo. Não há leite. Ou melhor, há menos leite e entregam-no cada vez menos. A Fátima pergunta-me: “será que para o ano ainda vai haver queijaria?” Está a desfalecer o que era uma óptima ideia. Um produto de grande qualidade, meio artesanal, típico do Corvo, aproveitando um dos seus grande recursos. Em compensação os porcos são bons, alimentados a pão, a abóboras, a farinha e…. a leite. No barco vem o do consumo humano, o empacotado. Nas mercearias já faltam produtos, o mar levanta-se, o barco Santa Iria não vem. Enquanto abro uma lata de milho penso nas imagens que me descreveram há uns anos atrás: todo o Corvo cheio de milheirais. Hoje é quinta-feira e não há Pão de Milho na Padaria (como o que habitualmente fazem à Quinta-Feira). A farinha é trazida de fora e o Santa Iria ainda não veio….

Gonçalo Tocha

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Rui Costa

Rui Emanuel Coutinho da Costa, nasceu na Figueira da Foz em 1980. Tem o Curso Técnico de Comunicação Audiovisual nível III (Escola Profissional de Montermor-o-Velho) 1999, Bacharelato em Tecnologias da Comunicação Audiovisual (Instituto Politécnico do Porto) 2004, Licenciatura em Tecnologias da Comunicação Audiovisual, Especialização Vídeo (Instituto Politécnico do Porto) 2007.
Enquanto realizador, realizou três filmes documentários: “Veneno Nosso de Cada Dia”, “A Sal e Sol” e “Bom dia, Noite”. Foi vencedor do primeiro prémio, “Melhor documentário - Prémio Primeiro Olhar”, com o filme documentário “Bom dia, noite” nos VII Encontros de Viana, “Olhares Frontais” que decorreu entre 07/05/07 a 13/05/07. Com o filme documentário “A Sal e Sol”, esteve em competição nos XII “Caminhos do Cinema Português” (2005), competição na secção TAKE-ONE do Festival Internacional de Curtas Metragens de Vila do Conde (2005). Também com o filme “A Sal e Sol”, representou o Instituto Politécnico do Porto, na 1ª Mostra Internacional de Filmes de Escolas”, na cidade do Porto no teatro Rivoli (2006).

A Sal e Sol


A sal e Sol trata-se de um filme documentário que acompanha todo o processo
de extracção do sal marinho...
Rodado no eco museu do sal da Figueira da Foz, onde dois fiéis resistentes
desta arte antiga laboram, seguimos caminho pela aventura apaixonada do
marnoto, em obter o precioso sal através dos mesmos processos ancestrais,
utilizados pelos nossos antepassados.

Duração aprox. 20'
Produção - Imagem - Edição - Pós-Produção - Realização
Rui Costa

Ver biografia do realizador

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

José Neves


É licenciado em Planeamento Regional e Local, variante de Geografia, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1987-1988). Tem uma pós-graduação no Ramo Educacional pela mesma faculdade de Letras (1989-1990). Em 1997, concluiu o 3º ano do Curso de Cinema da Escola Superior de Teatro e Cinema, na área de montagem.
Entre 1994 e 2001, participou fez vários cursos de informática e sobre a utilização da internet.
Entre 2003 e 2005, foi professor destacado no Teatro Nacional D. Maria II, responsável pelos registos das peças levadas a cena e das conferências, para arquivo no respectivo Centro de Imagens. Em 2002/ 03, tinha sido professor responsável por um workshop de video com alunos da Escola Secundária Passos Manuel, no âmbito do qual se realizaram dois trabalhos, um sobre a escola e outro sobre a cidade de Lisboa.
Em 2001, foi requisitado no Instituto Português das Artes do Espectáculo como Coordenador do Sector de Imagem, Vídeo e CD ROM, em coordenação com o Gabinete de Informação e Divulgação. No ano anterior, já havia sido requisitado pelo IPAE, mas no Departamento de Descentralização e Difusão, Divisão de Coordenação e Programação, como um dos responsáveis pela coordenação do Programa da Difusão.

Entre 1989 e 2000, foi professor em Escolas Secundárias e Básicas do 2º e 3º Ciclos, na cidade de Lisboa nas disciplinas de Geografia, Comunicação e Difusão, Ciências Sociais e Ciências do Ambiente. É, actualmente, professor efectivo da Escola Secundária Passos Manuel.

EXPERIÊNCIA EM CINEMA E ARTÍSTICA:

2004

Instalação video do espectáculo “Vision” da autoria de João Grosso, a partir de “Petroleo” de Pier Paolo Pasolini, integrado no festival W.A.Y., subordinado ao tema do Erotismo. Lux, Janeiro de 2004.

2004/2003

Realização do documentário “Fajã de Santo Cristo” (concurso de apoio financeiro selectivo à produção de documentários de criação de 2002).

2003

Video integrante do espectáculo “Dobro”, em co-autoria com Gonçalo Ferreira de Almeida, apresentado no CCB no âmbito do festival “Temps d’Images” e posteriormente em Roma.

2002

Concepção, câmara, realização e co-autoria na montagem de um vídeo intitulado “DUO”, feito a partir da peça coreográfica “Um Solo”, da autoria de Tiago Guedes, com o seu criador como intérprete, concorrente ao festival Internacional de Vídeo-Dança, 1º FRAME.

2002

Répérages e pesquisa, para um próximo documentário, na Fajã da Caldeira de Santo Cristo, Ilha de S. Jorge, arquipélago dos Açores.

2o02

Concepção, pesquisa e montagem, em conjunto com Vasco Diogo, do vídeo que integra a peça “Um Auto para Jerusalém”, da autoria de Mário Cesariny, com encenação de Nuno Carinhas e Paula Massano, estreada no Teatro Nacional D. Maria II em Junho de 2002.

2001/2002

Apoio do ICAM – Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia para a pesquisa de um documentário a realizar-se nos Açores, na Ilha de S. Jorge, na Fajã de Santo Cristo, relativo ao quotidiano da comunidade local e às celebrações que ocorrem no referido espaço.

2001

Vencedor do Prémio de Melhor Vídeo Nacional, do Festival Videolisboa, com o documentário em vídeo, “Jorge Molder, Por Aqui Quase Nunca Ninguém Passa”.

2000/01

Realização, argumento, imagem e co-autoria de montagem e som do documentário intitulado “Imagine”, em fase de pós-produção, sobre o trabalho de ensaios realizados pelo grupo de teatro e Associação Cultural, Projecto Teatral, relativo à sua última produção, elaborada a partir dum texto de Samuel Beckett, “Imaginação Morta, Imaginem”.

1999

Realização, argumento, imagem e co-autoria da montagem do documentário, “Por Aqui Quase Nunca Ninguém Passa”, sobre a obra e a pessoa do artista Jorge Molder, numa co-produção da RTP e da Rosa Filmes, apoiado pelo Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia (ICAM), exibido no âmbito da

mostra dedicada ao artista na Bienal de Veneza de 1999 e na RTP 2, no programa “Artes e Letras”. Durante o ano de 2000, o filme foi exibido na RTP Internacional e no cinema King, integrado num miniciclo dedicado a documentários portugueses sobre artistas.

1999

Câmara no vídeo “O Ano do Pénis” , feito a partir da peça homónima, com realização de Vasco Diogo e apresentado no âmbito do 4º Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa.

1998

Co-autor do argumento do filme “O Fantasma”, em parceria com o cineasta João Pedro Rodrigues, argumento vencedor do concurso do ICAM para a atribuição de apoios para primeiras longas-metragens de ficção, cujo filme, posteriormente, foi seleccionado para a secção de competição do Festival de Cinema de Veneza de 2000.

DIFUSÃO DE CURTAS METRAGENS EM VÍDEO AMADOR

1999

Co-autoria, com Maria Duarte, do vídeo-performance “Maqueta”, realizada a partir de um texto original de António Guerreiro, publicado no número 2 da revista “Elipse” e apresentado no âmbito de uma mostra de trabalhos inseridos no projecto “Deslocações”, coordenado por Lúcia Sigalho e Maria Duarte.

1998

Répèrages em vídeo realizadas em Nova Iorque para um projecto de documentário ititulado “Meet Packing District”, sobre o bairro Meat Packing District.

“Sight Seer”, documentário sobre Lisboa para a Escola Superior de Teatro e Cinema, como exercício final da disciplina de “Seminário de Montagem”, leccionada pelo cineasta Joaquim Sapinho.

Répèrages em vídeo para um projecto documental no Alentejo, sobre experiências de vidas alternativas em montes alentejanos, a partir da experiência do casal de artistas plásticos Teresa e Marcel, residentes no “Monte Aranha”, perto de Évora Monte

1996-1997

Realização colectiva do vídeo “O Dia do Músico” para a Escola Superior de Teatro e de Cinema, com orientação de Edgar Pêra, em colaboração com o Teatro da Cornucópia.

Cá Dentro


Por dentro, um olhar exterior sobre as singularidades de uma existência comunitária, remota e particular, no entanto cada vez mais vulnerável às transformações que a ida de pessoas de fora implica: o passado relembrado, o presente observado, celebrações colectivas, traços de solidão, a relação entre pessoas e natureza, o antigo e o novo.
O filme consiste na articulação, não ordenada cronologicamente, de vários momentos, colocados em contraponto com a banda de som, sua voz e ampliação: a vida na fajã, em fragmentos evocativos, residuais, especificidades do olhar, de fora para dentro.

Ficha Técnica

Concepção e realização: José Neves (2005)
Imagem: Sandra Meleiro
Som: Luís Carapeto, António Pedro Figueiredo, Paulo Cerveira
Montagem de imagem: Claúdia Bravo, José Neves
Montagem de som: Claúdia Bravo
Produtores: Catarina Fortes, Fernando Vendrell
Produção: Selma Cifka, Miriam Vale
Misturas: Tiago Matos
Online/correcção de cor/genérico: Miguel Oliveira
Com: Elizabete Borges, José Borges, Gilda Nunes, Baltazar Azevedo, Maria Mendonça Gregório, António Pereira Gregório, Sérgio Borges, Marcos Borges, Mónica Borges, Carlos Dias Valério, Tiago Nunes.

Ver biografia de José Neves


2 de Janeiro

São vários mundos, não há explicação. A vila é só uma pequena percentagem do que se pode ver no Corvo. Lá para cima, a pique, é todo um outro olhar de verde e vertigem. Subimos e a nossos pés, longe, está um mar enorme, pontilhado de espuma. Estamos num rochedo espigado. É só isso. Erguido no meio do Atlântico. Contam-nos sobre a Cara do Índio, escarpada na rocha, a Noroeste da ilha, descoberta há dez anos pelo Wes da companhia de dança francesa que todos os anos faz residência no Corvo. Teve que vir alguém de fora para imaginar uma figura numa rocha virada para o mar. É sempre assim e aqui ainda mais: falta-nos muito para descobrir a nossa própria casa, ter curiosidade de fazer como os exploradores. Agora há um caminho pedestre assinalado e tudo, pelo meio dos campos e das vacas inclinadas que não caiem ao vento forte. Saltamos e voamos no ar. São rajadas que nos fazem cair, mesmo pesados com o material às costas. É quase impossível filmar, o tripé não se aguenta no chão. A luz é fraca, tapada pelas nuvens. Mas o que vemos é impressionante. A junção da terra e do mar com as nuvens. Cambiantes e força desmedida. Agora já temos o rabo da pista do aeroporto, lá em baixo. As ondas libertam-se e daqui vemos toda a salmoura que inunda em gotículas a vila. O sal para queimar os campos. Vento cruzado nos ramos de hortênsias secas, nas ervas e arbustos pequenos. Não há árvores. O sol cai e o caminho assinalado perde-se, comido pelas silvas. Aguardamos com as ilhas de luz lá ao fundo na pele do mar, um sol de Inverno tostado e frio. Os campos vibram, vazios de muros de pedras. Faz frio. Porque não podemos ficar aqui a viver em cima?


Gonçalo Tocha

1 de Janeiro

A noite foi longa: tempestades de vento e de água, um jantar na casa do Joca, algumas estrelas, música tocada pelos tubos das obras, um caranguejo preto perdido na Rua da Matriz, gente vestida de gala e uma disco-festa no ginásio da escola. Não houve fogo de artifício, não houve panelas na rua, não houve passas nem champanhe (pelo menos para mim). Falho o primeiro mergulho do ano (hábito solitário na praia da Caparica), talvez esteja frio e o mar levantado, nos cafés ninguém fuma. As leis são mentais, aqui não há seguranças, nem polícia vigilante, quem fumasse não seria multado. Mas parece que desta vez se cumpre por auto-sugestão. Ninguém quer ser o primeiro. Passar estas datas fora de casa fazem-me acreditar que já pertenço a esta Vila. Mas falta-me a Natureza. Amanhã vamos subir lá para cima, para o outro mundo dos campos e das falésias, onde se vê o mar a pique.

Gonçalo Tocha

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

31 de Dezembro

Esta manhã preparo tudo para filmar a aterragem do Dornier. Apesar de no Corvo o vento não soprar só numa direcção, hoje está predominante de Norte. É natural que o pequeno avião entre por cima da vila, por regra aterra sempre contra o vento. Escolho a pequena rotunda em frente do porto para filmar o avião por baixo. O céu está carregado, sem abertas para o sol, as coisas voam ou agarram-se umas às outras. No horizonte ainda nada. Por enquanto evito filmar a aterragem na pista, prefiro a interferência do avião na vila. Desta vez fiz mal. Ele entrou já cruzado e, ao tocar no chão, guinou e uma das rodas queimou-se por completo. Fumo e cheiro a borracha. Isto não vi nem filmei, contaram-me. O que tenho é o antes e o depois. Dizem-me que é a primeira vez que um acidente de avião deste tipo acontece no Corvo. Estava lá no momento certo mas no sítio errado…Daí a umas horas chega o helicóptero militar com uma roda substituta. Um acontecimento. O Vento cresce, levanta-se na crista do mar já cheia de espuma. Está forte. O Dornier finalmente parte e eu fico no porto de areia a filmar as ondas nas rochas, um plano de quinze minutos seguido com o tripé a ameaçar voar com a força do vento. Escurece. Na estrada, a areia negra corre rente ao chão, salta e dispara contra o meu corpo. Abaixo-me e filmo de perto, com cada vez mais areia nas mãos, nos ouvidos, nos olhos. Por cima de mim o céu está violento, arrastado. De repente já não é só areia, mas rajadas de água, em bagos enormes, chuva ciclópica vinda do Norte. A imagem enche-se de pó molhado, aguento o plano por mais de trinta segundos, o tempo de ficar alagado até por dentro dos sapatos. Não fosse a protecção da câmara contra a chuva, tinha o material estragado e acabava-se o filme.

Gonçalo Tocha