“É inevitável o choque. O olhar fere. Aponta para outro que se torna meu. Como no mito, por um instante, fixa-se, petrifica. A câmara fotográfica no limite entre o que quero ver e o impedimento do que se move. Aponta, fere. Como um tenho-te, como no mito, por um instante.
Este trabalho é sobre o corpo e a contemplação. É sobre caçadores. Tenho-te. Medusa petrificava todos os que a olhavam nos olhos, morreu quando contemplou o seu reflexo. Medusa, como a câmara fotográfica, petrifica o objecto contemplado. Há algo de predador em ambos. Quem fotografa é simultaneamente predador e presa, o que possui e o que se deixa possuir, na medida em que é também ele quem está na fotografia, quem a constrói de luz, tempo e forma. Há sempre um duplo no objecto fotografado: o próprio fotógrafo."
É a partir desta noção de ‘presença ausente’ que se desenvolvem estas imagens. O movimento é adaptado na sua duração - o fantasma. O que permaneceu, mas não o suficiente em tempo e imobilidade para que fosse todo apreendido pela imagem na sua recusa de esperar - ou o que permanece na sombra como um duplo. O que é uma ideia vaga pode ser materializada ao captar uma imagem. Por outro lado, a ideia desta presença, que está quase sempre fora do enquadramento, mas que não é oferecida por inteiro, está intimamente ligada ao processo fotográfico, quer do ponto de vista técnico quer ao nível da composição da imagem.
As situações extremas, quando imaginadas, podem provocar prazer, mas quando tornadas reais provocam um insuportável sentimento. A fotografia como objecto torna reais as narrativas do imaginário e da memória. Como um fantasma, uma imagem vaga, que está lá mas não tem a consistência das outras, é mais leve, mais fina, obriga a olhar para que não nos escape - o assombro do olhar onde nos reconhecemos.”
Sofia Berberan
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